Quinta-feira, 30.10.14

Lviv, aliás Lvov, aliás Lemberg

A cidade onde, mais logo, a nossa selecção vai jogar com a alemã, tem atrás de si, está assente num passado próximo pouco simpático - muito pouco simpático. Situa-se numa região historicamente muito complicada que já passou por várias mãos no século passado - mãos ensanguentadas.

Esta Lviv é a Lvov dos livros de História do século XX. E já tinha sido a Lemberg, quando a sua região, a Galícia, pertencia, até 1918, ao Império Austro-Húngaro. Uma região etnicamente complicada, já se está a ver. População polaca, ucraniana, uma élite burocrática do Estado constituída por Austríacos e Checos germanófonos. E Judeus - em 1910, 28% da população de Lemberg.

Na Galícia, de que faz parte também a localidade de Oświęcim (mais conhecida por Auschwitz), já tinha havido episódios de tremenda violência no séc. XIX. Por exemplo, em 1846, o levantamento da nobreza agrária polaca contra Viena resultou em horríveis massacres de famílias inteiras desses latifundiários por parte dos camponeses ucranianos, que permaneceram fiéis à coroa imperial. A essa fidelidade, manifestada tão selvaticamente, não será alheio o estado de servidão em que os Ucranianos eram mantidos pelos seus odiados Senhores polacos. Estes, denunciavam, chocados, os liberais, tratavam aqueles como se fossem gado.

 

 

 No quadro do polaco Jan Lewicki, O Massacre da Galícia, podem ver-se oficiais austríacos, sob um edital com a águia bicéfala, pagando aos camponeses pelas cabeças dos nobres polacos. Não sei se as coisas se passaram exactamente assim e se estas cenas não serão produto da propaganda nacionalista polaca - seja como for, o desaparecimento da face da Terra daqueles incómodos fidalgos não deixou de ser oportuno para o velho Metternich, lá em Viena...

 

 

Depois, no século XX, nas ruas de Lvov (muitas mantêm-se inalteradas, em Lviv), assistiu-se (por vezes, literalmente) a cenas muito feias - mesmo muito feias, para uma cidade europeia. Em 1918, ainda a Grande Guerra não tinha oficialmente terminado, mas com Carlos I da Áustria, na prática, já sem Império e prestes a abdicar, foi proclamada, a 1 de Novembro, a República Popular da Ucrânia Ocidental. Como capital, Lvov. Literalmente da noite para o dia, as tropas imperiais estacionadas na cidade transformaram-se no exército da nova república - as suas unidades eram quase integralmente constituídas por Ucranianos. A maioria polaca da cidade, naturalmente, preferia integrar-se na Polónia nascente cujas fronteiras não estavam ainda definidas. Deu-se um levantamento contra a tropa ucraniana, em que se destacaram as Jovens Águias de Lvov (Orlęta Lwowskie), um conjunto de voluntários adolescentes a que, depois, se juntaram mais polacos.

 

 

Postal polaco de Lemberg
 
 
Dois membros dos Orlęta Lwowskie
 
 As forças ucranianas acabaram expulsas da cidade, no dia 21 - foi a partir desta data e durante três dias, que militares e populares polacos atacaram as minorias ucraniana (agora indefesa) e judaica. Nestas alturas, aproveita-se sempre para ajustar contas com os culpados do costume. Resultado: algumas centenas de mortos. A guerra que se seguiu com a Polónia acabou por levar à extinção da nova república ucraniana e à integração da Galícia no novo país da Europa Central. Lvov foi, até à II Guerra Mundial, a terceira cidade polaca mais populosa (depois de Varsóvia e Lodz), com um dialecto próprio, muito influenciado pelo Yiddish.
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Quarta-feira, 19.09.12

Da política como obra de arte

Karel Appel, Dança amorosa, 1955
Faz todo o sentido considerar-se que um poema de Hugo Ball ou que um quadro de Karel Appel não tenham "culpa" da sua não-"aceitação" por parte do público. Uma peça daquelas é um acontecimento imprevisto e imprevisível que interpela o olhar do espectador - e isso pode ser recebido com estranhamento ou com incómodo.
Mas há quem veja as opções políticas de um governo como obras de arte. Isto é, elas estão aí, emanadas do executivo, e são, por definição, "certas", inscrevem-se num contexto alheio a qualquer escrutínio e o público que as não compreende está, ele sim, apenas errado. Não está, ainda, suficientemente educado para as aceitar - com prazer estético, certamente.
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Terça-feira, 18.09.12

Da RTP (22)

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O olhar

Was ihr nicht tastet, steht euch meilenfern, 

Was ihr nicht faßt, das fehlt euch ganz und gar,

Was ihr nicht rechnet, glaubt ihr, sei nicht wahr,

 Was ihr nicht wägt, hat für euch kein Gewicht,

 Was ihr nicht münzt, das, meint ihr, gelte nicht! (*)

 

Goethe, Faust II, 4918- 4922.

 

Passos Coelho chamou piegas ao povo que o elegeu e que passa dificuldades,  António Borges, com alheamento e sem pestanejar, ou Camilo Lourenço, entre tantos outros, propõem ou acenam com despedimentos em massa, como quem propõe uma ida ao café. Para eles, trata-se, certamente, da "frieza" da "ciência". Da "objectividade", talvez.  Da "necessidade". Whatever. Como sabemos, tudo é argumentável e há sempre boas "razões" para fazermos isto ou aquilo. Mesmo Cavaco Silva, à frente de toda a gente, teve aquela tirada infelicíssima a respeito da exiguidade da sua pensão. 

Estas pessoas não são, por assim dizer, activamente "más". Não têm "pêlos no coração". Não se trata aqui de crueldade. Passa-se com elas o padecerem de um confinamento do olhar. Provavelmente, um confinamento "oligárquico" da sua perspectiva. Com o estreitamento do seu campo visual, há objectos que, pura e simplesmente, não aparecem no horizonte abarcado pela sua compreensão. Aquelas personagens não podem falar de ou "sentir" aquilo que não vêem. Isso não está lá. Não existe. Na melhor das hipóteses, há, para eles, uma assunção meramente formal, teórica, da sua existência. Seja como for, essas realidades não são por eles autenticamente experimentadas como o são outras que lhes estão afectiva e efectivamente mais próximas, que cabem no seu horizonte. Por isso, tantas vezes, quando referem aquelas realidades, fazem-no no modo de uma inautenticidade meramente retórica.

Por outro lado, para quem se move com à-vontade no meio de uma auto-suficiência "ideológica", com todos os actos justificados e fundamentados por quaisquer "teorias" subsidiárias da "ideologia" (e não o contrário...), o sofrimento individual dos objectos das suas opções encontra-se sempre esbatido, quando não completamente elidido. Assim, os "revolucionários" não tinham em conta o efectivo sofrimento de alguns que (muitas vezes, com a infelicidade de se encontrarem na época errada no regime errado), de um dia para o outro, viam os seus objectos pessoais remexidos e ridicularizados por mãos a quem nunca tinha sido dado o aprender a compreendê-los. Esse sofrimento individual era (e é) considerado como um efeito co-lateral despiciendo decorrente da culpa que lhes era intrínseca: porque são "os ricos", ou "os donos da terra", etc. Por outro lado, também os nossos "liberais" vêem como um efeito desprezível dos inevitáveis "ajustamentos" toda a degradação humana e o sofrimento que os vai acompanhando. O mecanismo justificativo é sempre semelhante: são culpados (de serem funcionários públicos, ou de "viverem acima das suas possibilidades" e terem de ser reconduzidos aos seu "lugar natural", etc.) e, como tais, têm o que merecem. E são, também como os outros o eram, apontados como "privilegiados". O corolário destas perseguições é uma troça abjecta: uns dizem "coitadinhos dos patrões...", outros dizem "coitadinhos dos funcionários...". Mas, mesmo aqui, geralmente, não há, por assim dizer, uma maldade activa.

Onde pode haver um problema moral é na preguiça em recusar tentar diminuir o confinamento do olhar, em recusar o alargamento do seu campo visual, para que possam incluir-se nele uma série de realidades que permanecem insuspeitas.

 

[(*) Traduzindo livremente, será algo como: O que não tocais, está-vos a milhas [ou a léguas], / O que não agarrais [ou não apreendeis], de todo vos falta, / O que não contais, acreditais não ser verdadeiro, / O que não pesais, não tem para vós peso algum/ O que não cunhais, credes vós, não tem validade.]

 

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Da RTP (21)

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Segunda-feira, 17.09.12

Retrato do funcionário público (*)

Largo de espáduas, de olhos carrancudo,

Rasgada a boca, orelhas derrubadas,

Ventas negras, focinho cabeludo,

Beiços caídos, garras encrespadas, 

Fornidos pés, e mãos, corpo membrudo,

Seco nas ancas, gordo nas queixadas,

Curvas unhas, e dentes, rabo grosso,

Grosso, e curto nos lombos, e pescoço.

 

Brás Garcia de Mascarenhas, Viriato Trágico, I, 34 [1656?]

 

(*) O objecto do retrato muda consoante as épocas.

publicado por Carlos Botelho às 15:20 | comentar | ver comentários (5) | partilhar
Domingo, 16.09.12

Da RTP (20)

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Oftalmologia

 

Se for através de olhos como estes que Passos Coelho vê que se passa, ou se o seu entourage lhe filtrar a realidade desta maneira, então, não irá longe. Os tais "privilegiados" estavam lá? Estavam, naturalmente. (Ou o direito a manifestar-se varia na proporção directa do andrajo?) Mas não eram de todo a maioria. Bastaria ver a multidão sem antolhos.

 (Não sei se a recusa em ver a realidade será a maneira mais inteligente de a enfrentar.)

publicado por Carlos Botelho às 12:09 | comentar | ver comentários (10) | partilhar
Sábado, 15.09.12

Da RTP (19)

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Favorezas

 

Grande licẽça deu a afeiçom a muitos,  que teverõ carrego dordenar estorias, moormente dos senhores em cuja merçee e terra viviam, e hu forom nados seus antiigos avoos, seemdo lhe muiito favoravees no rrecomtamento de seus feitos; e tall favoreza como esta naçe de mumdanall afeiçom, a quall nom he,  salvo comformidade dalguũa cousa ao emtemdimento do homẽ. Assi que a terra em que os homẽes per lomgo costume e tempo forom criados geera huũa tall comformidade amtre o seu emtemdimento e ella que, avemdo de julgar alguũa sua cousa, assi em louvor como per contrairo, numca per elles he dereitamente rrecomtada; porque louvamdoa, dizem sempre mais daquello que he; e sse doutro modo, nom escprevem suas perdas tam, mimguadamente como acomteçerom.

 

Fernão Lopes, Cronica delRei dom Joham da boa memoria, do "Prólogo".

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Grande Finale (171)

 

Vidas sem Rumo, Manuel Guimarães, 1956

(Milú, Artur Semedo, Eugénio Salvador, Jacinto Ramos...)

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Sexta-feira, 14.09.12

O analfabetismo das coisas

Montag [Oskar Werner] e o seu risonho comandante [Cyril Cusack] cumprem a sua missão, politicamente justificada, queimando livros, no Fahrenheit 451, de Truffaut.
 

 I

Há qualquer coisa de traiçoeiro, qualquer coisa de incomensuravelmente bárbaro, no facto de milhares de pessoas, entre as quais se contam tantas que, alguma vez, inevitavelmente alguma vez, se quedaram abismadas à boca das coisas, acontecendo-lhes isso sob vários modos: umas que compreenderam o alfabeto da tabela periódica, outras que depararam - e nunca o esqueceram - com um dístico da Antologia Palatina, ou outras ainda que, um dia, ouviram os pássaros de Septimus Smith, ou se maravilharam com a bomba sódio-potássio, se reconheceram no bicho de Kafka, outras que se doeram em Álvaro de Campos, ou se sentiram interpeladas por Sócrates, que confrontaram a sua alienação na alienação das personagens de Balzac, sentiram a proximidade do emudecimento com a Carta de Lord Chandos, ou que admiraram a fealdade da Mãe de Dürer, outras que avistaram as possibilidades da barra de Sheffer, ou que assistiram ao verdadeiro artesanato das palavras, do seu encadeamento plástico, das Wendungen, de que falava Hoffmannstahl e, mais, o que é, talvez, mais importante, procuraram, cada vez mais contra tudo e contra todos, arrostando com a sucessão de directivas incompetentes e aviltantes dos governos e com a canzoada lumpen que lhes serve de tropa-de-choque, procuraram, de algum modo, passar, transmitir, aquele olhar a outros, que o assimilassem no seu próprio olhar, não que meramente o acrescentassem, mas que o integrassem autonomamente, produzir neles uma conversão de perspectiva que os restituirá a si mesmos - há, sim, qualquer coisa de traiçoeiro, de incomensuravelmente bárbaro que se vejam forçadas a isto.

 

O processo - o seu resultado visível - começou aqui [referido ali e acolá]. Foi, desde o começo, um processo simultaneamente incompetente e maldoso. Numa palavra: miserável. Também politicamente cobarde, porque pretende justificar como "naturais" consequências que foram conscientemente induzidas. Uma vergonha - não para aqueles que foram os seus objectos, mas para os que perpetraram a coisa. Mas uma vergonha também para os que aplaudem. Não deixa de haver uma tonalidade moral nestas opções. Trata-se de escolhas que implicam sempre uma posição de indiferença em relação ao que ficou exposto acima. Contudo, está-se, aqui, perante uma indiferença meramente aparente, porque não é moralmente neutra. Essa indiferença não é realmente passiva - é, precisamente, uma escolha activa. É uma "diferença". Quem é "indiferente", escolheu essa "indiferença". Não está nunca num qualquer grau zero de posição. Salvaguardando aqueles que assumem as suas perspectivas de um modo que procura ser consciencioso (que os há sempre, claro), mas não esquecendo que, esses, são, por definição, mais discretos, menos ruidosos, há que dizer que os que, sem mais, praticam e aplaudem estas medidas, optam pela "indiferença", por um encolher de ombros relativamente àquela conformação do olhar descrita no primeiro parágrafo. Essa opção, meus amigos, não é inócua. Tem um significado, se quiserem, "cultural", "civilizacional". Não é de todo possível aplaudir as medidas políticas em apreço (com o seu modus faciendi, ou, mais exactamente, com o seu modus agiendi miserável) e, ao mesmo tempo, reclamar-se de certos "valores". Uma vez que os professores estão sendo assim tratados, precisamente enquanto professores (e não perdendo de vista o que significa essa condição), dispostos no espaço político como coisas, pelos poderes políticos, todo o desprezo, quando não pura aversão, que está implicado na perspectiva que cauciona essas medidas, acaba por ser, umbilicalmente, extensível àquilo que os mesmos professores guardam e transmitem. Numa palavra, o desprezo "indiferente" pelos professores como tais - o que não deixa de ser uma posição "cultural" - é, como se viu, inevitavelmente, o desprezo "indiferente" pelos saberes, pelos patrimónios, pela literatura lida, pela "cultura".

É claro, é inevitável, que haja sempre as cabeças estreitas que vejam nisto apenas um argumentário "corporativo". Esses têm de ser lamentados. E está-se indefeso perante isso, porque as projecções de má-fé são irrefutáveis.

 

 II

Durante semanas, foram, deliberadamente, deixadas suspensas dezenas de milhar de pessoas - com famílias, muitos com cinquenta ou mais anos, sem terem como saber onde serviriam no ano lectivo seguinte. Depois de terem ensinado tanta gente durante anos. Um secretário de estado, como que encolhendo os ombros, limitou-se a dizer, na altura, que talvez ficassem a saber do seu destino três semanas depois. Ou, acrescentou generoso, talvez mais tarde. Hoje, muitos, com mais turmas e sobrelotadas, estão deslocados a não poucos quilómetros de casa. Não custa imaginar uma professora de cinquenta e cinco anos, conduzindo todos os dias dezenas de quilómetros engarrafados, para dar aulas, que preparou, a quatro ou cinco turmas de trinta alunos, quando, um ano antes leccionava três ou quatro turmas mais pequenas. Pelo contrário, os docentes mais novos, note-se, estão dotados com menos tempos lectivos ou, pura e simplesmente, não estão sequer colocados. É difícil encontrar algum senso nisto. A não ser, talvez, o de tornar a vida profissional dos docentes mais velhos tão custosa, que, brutalmente, os empurre para aposentações antecipadas. Tudo isto, como sabemos, é antropologicamente possível. A não ser que creiamos piamente serem os governos integralmente constituídos por anjos não caídos.

 Os professores foram tratados como reses. Só que, desta vez, tudo se passa como se o gado estivesse, afinal, do outro lado. Numa espécie de inversão antropológica, são os bois - incapazes de ver palácios - que estão encurralando os homens e não o contrário.

Os que, colando-se patrioticamente ao governo, vão clamando o estribilho simplista (mas eficaz, claro) de "a Escola servir para os alunos e não para os professores" (como se essa oposição tivesse uma existência mais do que retórica...), esses deveriam parar para pensar e interrogar-se que serviço presta aos alunos todo este processo abjecto.

É ainda mais... interessante que tudo isto, a saber, todo este destrato de dezenas de milhar de licenciados experientes, seja praticado por um governo que alberga no seu interior uma personagem civicamente homuncular, que, tendo pastado inúmeras "equivalências" algures, para nossa vergonha, se vai passeando ufano e tem ainda o descaramento esbofeteável de dizer nas nossas barbas que "norteia a vida pela procura do conhecimento permanente".

 

 III

Tem-se vindo a saber, nos últimos dias, que, afinal, como de resto se suspeitava, as coisas não são tão simples como Nuno Crato pretendeu fazer crer na sua entrevista... Se intencionalmente, se por informações prestadas por colaboradores, o ministro simplificou, deturpou, enviesou, previu fantasiosamente, ou se distraiu da verdade mesmo, sabendo muito bem que, do outro lado, como é habitual com a nossa indigência jornalística, não tinha interlocutores que dominassem os temas para, convenientemente, o porem em xeque. Sobre a putativa diminuição do número de alunos (em que Ciclos? em que períodos? como aferir, com seriedade, o efeito do prolongamento da escolaridade obrigatória? em que Áreas?... O público, não estando ciente de todas estas especificidades, toma pelo valor facial todas as generalidades que lhe vão atirando. Esse exercício duvidoso é sempre mais fácil do que a sua desmontagem.): veja-se isto, isto e ainda isto. De resto, havendo, em toda a linha, simplesmente, uma diminuição geral do número de alunos, essa seria uma oportunidade de ouro para se formarem, pelo menos, nos casos aconselháveis, turmas mais pequenas e equipas pedagógicas aplicadas em trabalhar especificamente com os alunos que experimentam mais dificuldades. Refiro-me a práticas autênticas e com condições efectivas, não aos arremedos dos tempos de José Sócrates e que prosseguem acentuados com os actuais responsáveis. Tratar-se-ia de ir procurando debelar os nossos insucessos escolares seriamente e não com truques burocráticos e perversões pseudo-curriculares, como os governos costumam preferir. Sobre a questão da importância da dimensão das turmas: isto e isto. A este respeito, qualquer pessoa que tenha dado aulas nos Ensinos Básico ou Secundário tem a experiência da relevância da dimensão das turmas com que se trabalha. Basta pensar-se, por exemplo, no acompanhamento adequado dos alunos, ou no uso dos instrumentos de avaliação formativa e até sumativa, com cinco turmas de 22 alunos ou com cinco turmas de 30. Chega a ser ridículo ter que se baixar a argumentação a este nível, mas, enfim, a propaganda (e a ingenuidade?) fala alto e forte. Sobre o alegado aumento da quantidade de docentes dos últimos anos, atirado sem mais para o público naturalmente não-informado, pode sempre consultar-se isto.

Não deixa, ainda, de ser notável aquilo que parece ser uma concepção revoltante da Escola por parte dos responsáveis das opções políticas para a Educação: é dado, de facto, ao Ensino Profissional, um sentido punitivo; passa a ter como que um estatuto de colónia penal. Se acham que exagero, leiam o 1. e a alínea b) do 4. do Artigo 21.º da Lei n.º 51/2012 de 5 de Setembro - o famoso Estatuto do Aluno e Ética Escolar: aqui.

Paradoxalmente, tudo isto é acompanhado por algumas alterações curriculares (num certo sentido, axiais) que não deixam de fazer sentido e de ser benéficas para a formação dos alunos...

 

 

Pelos jornais, televisões e blogs tropeça-se constantemente numa horda de "comentadores"que mais não fazem do que reproduzir a propaganda governamental sobre a Escola e repetir o discurso culpabilizante arremessado aos professores. Não deixa de ser antropologicamente interessante que toda essa gente, em geral alfabetizada, se entregue a um curioso movimento de contorção de serpente para morder as mãos que a alimentaram. Amanhã, quando o governo mudar, serão outros os "comentadores" - mas sempre determinados por fototropismo.

 

Entretanto, as organizações sindicais (sempre os espantalhos convenientes para os sucessivos governos), fazem declarações tonitruantes às Segundas, Quartas e Sextas e assinam acordos vitoriosos com os ministros às Terças e Quintas. Os professores estão, também, "ideologicamente" encurralados. Cercados de um lado por uma "direita" que não pensa e, do outro, por uma "esquerda" delirante. Uma situação que não augura nada de bom. No fundo, é simples, horrivelmente simples: o nosso Estado desistiu da Escola.

Esta ofensiva material e simbólica desencadeada contra a Escola como um todo, ou, pelo menos, contra o que ia restando dela, ainda que a vergonha recaia sobre o governo e os seus e não sobre nós, esta ofensiva faria corar as nossas mãos se elas fossem rostos. Mas coram. Os nossos rostos coram, porque vêem o que preferiam não ter visto e as nossas mãos coram, porque não fazem o que deveriam fazer.

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Da RTP (18)

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A raiva

Chamar "cobarde" ao próprio Presidente da República será assim tão diferente de chamar "gatuno" ao primeiro-ministro ou de arremessar um ovo a Assunção Cristas?... Talvez seja pior. O Chefe do Estado, enquanto personagem política, não tem, necessariamente, de partilhar das nossas posições, pois não?...

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DA RTP (17)

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Quinta-feira, 13.09.12

En 1830...

En 1830,  le triomphe de la classe moyenne avait été définitif et si complet que tous les pouvoirs politiques, toutes les franchises, toutes les prérogatives, le gouvernement tout entier se trouvèrent renfermés et comme entassés dans les limites étroites de cette bourgeoisie, à l'exclusion, en droit, de tout ce qui était au-dessous d'elle et, en fait, de tout ce qui avait été au-dessus. Non seulement elle fut ainsi la directrice unique de la société, mais on peut dire qu'elle en devint la fermière. Elle se logea dans toutes les places, augmenta prodigieusement le nombre de celles-ci et s'habitua à vivre presque autant du Trésor public que de sa propre industrie.
A peine cet événement eut-il été accompli, qu'il se fit un très grand apaisement dans toutes les passions politiques, une sorte de rapetissement universel dans tous les événements et un rapide développement de la richesse publique. L'esprit particulier de la classe moyenne devint l'esprit général du gouvernement ; il domina la politique extérieure aussi bien que les affaires du dedans: esprit actif, industrieux, souvent déshonnête, généralement rangé, téméraire quelquefois par vanité et par égoïsme, timide par tempérament, modéré en toutes choses, excepté dans le goût du bien-être, et médiocre; esprit, qui, mêlé à celui du peuple ou de l'aristocratie, peut faire merveille, mais qui, seul, ne produira jamais qu'un gouvernement sans vertu et sans grandeur. Maîtresse de tout comme ne l'avait été et ne le sera peut-être jamais aucune aristocratie, la classe moyenne, qu'il faut appeler la classe gouvernementale, s'étant cantonée dans son pouvoir et, bientôt après, dans son égoïsme, prit un air d'industrie privée; chacun de ses membres ne songeant guère aux affaires publiques que pour les faire tourner au profit de ses affaires privées et oubliant aisément dans son petit bien-être les gens du peuple.
Alexis de Tocqueville, Souvenirs, I, 1.
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DA RTP (16)

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Sem pergaminhos

Quando, no nosso século XIX, se extinguiram as Ordens Religiosas (os Liberais, curiosamente, iam, assim, demolindo o poder que, historicamente, contrabalançava o do Estado) e ficando, depois, conventos e mosteiros literalmente a saque, os simples dos campos descobriram que muitos códices constituiam um excelente combustível para foguetes e fogueiras de festas populares. É natural. Tratava-se de pessoas que não sabiam ler nem escrever - tinham, realmente, diante de si um excelente combustível e nada mais do que isso. Um códice era comparável com a carqueja, com toros, etc. Se alguém lhes aparecesse à frente, tentando demovê-los de um acto para nós horripilante, poderiam muito bem perguntar-nos: mas isto arde ou não arde?... Nós, alfabetizadamente embaraçados, por mais que tentássemos mostrar que essa é apenas uma forma entre outras possíveis de ver a coisa e que essa perspectiva perde de vista a natureza específica de um documento daqueles, seriamos sempre, de novo, confrontados com a pergunta: Deixe-se de balelas aristocráticas! Isto arde ou não arde bem?...

Aquele embaraço alfabetizado é a posição em que ficam os que tentam fazer ver que uma Escola não é uma mera empresa prestadora de serviços ou de bens transaccionáveis que possa ser gerida como por um qualquer gestor, em que os professores seriam contratados como um qualquer outro "trabalhador", em que os alunos serão os "clientes" e os pais também (como defendia no Público, de 24 de Março, o negociante de cervejas Pires de Lima - mas mesmo ele teve o cuidado de usar aspas), etc. (É irrelevante virem dizer que não vêem a Escola desse modo, porque o que importa não é o modo como a consideram formalmente  ou facialmente, mas sim o objecto que é efectivamente constituído por eles, com o seu discurso, opções políticas, etc.) Um professor é um servidor, serve, presta um serviço. Resta saber se todos os "serviços" se equivalem, podendo ser considerados sempre como um objecto formalmente indiferenciado. Por exemplo, o "serviço" de um canalizador tem o mesmo sentido que o "serviço" do professor? (Para mim, quem assim pensa, deve ser lamentado. E ensinado.)

É inevitável que uma perspectiva altere o objecto. E, se a perspectiva de fundo é uma, ela constitui-se, então, numa cegueira relativamente a compreensões subsidiárias de uma perspectiva de fundo alternativa - porque é esta que lhes confere sentido. Os diversos pontos-de-vista possibilitam todas as analogias: uma escola com uma charcutaria, ou uma charcutaria com uma escola, por exemplo. Acontece que nem todas as analogias são admissíveis. O movimento analógico deve parar no limite da caricatura. Assim, são, pelo menos no início, inconciliáveis, as posições que teimam em aplicar à realidade (que é complexa) uma rasoira que, de modo convenientemente simplista, tudo nivela, e as posições que vêem nisso uma perversão intolerável. Há ainda que ter em conta o argumento retórico demagógico de imediato arremessado a qualquer posição de prudência: quem se atrever a apontar alguma especificidade do acontecimento do ensino, é imediatamente acusado de sustentar uma posição "aristocrática" (curioso defeito) ou "elitista" (também é bom este), ou de procurar manter "castas", etc. Como é natural, este tipo de argumentação falaciosa é eficaz - não requer grande sofisticação, apela a pulsões de inveja social, apostando, portanto, na falta de informação das pessoas e no facto de não estarem munidas das ferramentas teóricas adequadas à desmontagem de todo aquele simplismo. (E, como sabemos, não há aqui nada de novo.)

publicado por Carlos Botelho às 11:33 | comentar | ver comentários (10) | partilhar

"Consciência perante as pessoas"

Nestes nossos dias de figurantes políticos medíocres, políticos incapazes de pensar, com o discurso irrisório que vai fazendo caminho, um discurso que teima em passar ao lado do que está aí, convirá escutar esta entrevista de Manuela Ferreira Leite - na íntegra.
Os Portugueses poderão ainda ajuízar sobre a escolha que fizeram em Setembro de 2009. (Escolha que, não o esqueçamos, contou com a ajudinha sonsa do actual locatário da Rua da Imprensa à Estrela...)
 
(Entre outras passagens interessantes, uma denúncia da perversão política constituída numa visão laboratorial da realidade: [a partir do min. 10"Tenho uma dificuldade imensa em achar que se pode governar um país na base dos modelos. Um modelo é sempre um enquadramento teórico útil para que não façamos... para que não tomemos determinadas medidas ao contrário - mas não pode ser a base de uma experiência de um país, porque um país é constituído por pessoas... A ciência económica é uma ciência social e além de ser uma ciência social, não é... uma ciência dogmática. Não funciona por dogmas. (...) Porque a ciência económica não é exacta, é uma ciência social, um país governado na base dos modelos que o ministro invocou mais do que uma vez na sua conferência de imprensa é algo que me dá um enorme desconforto. Não podemos transformar um país num... exercício de experimentação. (...) Se o [ministro] o está a fazer [governar] apenas na base do que lhe dizem os modelos, então, só por acaso é que acerta. Os modelos, normalmente, têm pontos de equilíbrio a partir do cruzamento de curvas. (...) Quando naquele ponto, tudo está em equilíbrio, está a economia toda em explosão. Na prática, não existem nem as curvas, nem o ponto de encontro. Depende do país, da forma como as pessoas reagem, da estrutura produtiva..."
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Quarta-feira, 12.09.12

DA RTP (15)

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publicado por Carlos Botelho às 23:58 | comentar | partilhar

Cachimbos

O Cachimbo de Magritte é um blogue de comentário político. Ocasionalmente, trata também de coisas sérias. Sabe que a realidade nem sempre é o que parece. Não tem uma ideologia e desconfia de ideologias. Prefere Burke à burqa e Aron aos arianos. Acredita que Portugal é uma teimosia viável e o 11 de Setembro uma vasta conspiração para Mário Soares aparecer na RTP. Não quer o poder, mas já está por tudo. Fuma-se devagar e, ao contrário do que diz o Estado, não provoca impotência.

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