O anúncio de mais austeridade deitou gasolina para o espaço público. As ruas encheram-se de gente indignada com mais sacrifícios. Tudo normal em democracia. Mas que alguns políticos e comentadores se limitem a cavalgar a onda da indignação é estranho e perigoso. Sem deixar de ouvir a frustração das pessoas, convém não esquecer onde estamos e como viemos aqui parar: a dívida que nos escraviza; um Estado gordo e ineficiente, cheio de feudos e privilégios; uma economia estagnada, há mais de uma década, apesar do dinheiro abundante do nosso keynesianismo serôdio.
Um dos lemas das manifestações era “que se lixe a troika, queremos as nossas vidas”. Pois. Mas a verdade é que não foi a ‘troika’ que nos invadiu, mas sim o primeiro-ministro Sócrates que lhes pediu que viessem. E ainda dependemos deles para pagar salários e pensões. Esta é a crua verdade que não podemos esquecer. Como se a bancarrota não estivesse ao virar da esquina. Como se o caos grego, que se iniciou precisamente com a quinta avaliação internacional, não estivesse à vista de todos.
Podemos sair daqui sem dor? Alguns cinicamente dizem que sim. A memória é curta e as opiniões mudam depressa. Ainda há poucos meses a ladainha era: vivemos-acima-das-possibilidades-temos-de-mudar-de-vida. Agora que a coisa aperta são as mesmas vozes a dizer que se está a ir longe demais. Ora, pode-se modelar isto ou aquilo, mas é falso dizer que há alternativas à austeridade, pelo menos se quisermos continuar no euro. Quem disser o contrário ou não sabe o que diz ou é mentiroso. Mesmo o socialista Hollande, num país não intervencionado, já anunciou cortes de 30 mil milhões.
O mais triste é que sejam aqueles que nos trouxeram a cavalgar na onda populista. A posição socialista é hipócrita porque sabem que se voltassem ao governo, teriam de aplicar a mesma receita (lembram-se dos quatro PEC?), com riscos de dissolução do partido, tais as contradições em que cairiam. Por isso, Seguro é o último a querer eleições antecipadas e só engrossou a voz para se afirmar internamente.
Apesar do cheiro a PREC que paira no ar, com leves fragâncias gregas, esta crise acabará por resolver-se. Mais que não seja porque ninguém tem interesse em eleições antecipadas. O PSD só quer ser avaliado no final da legislatura. Paulo Portas, no seu calculismo, sabe que não pode esticar a corda demasiado sem ser penalizado nas urnas. Cavaco Silva tem pesadelos com um governo de iniciativa presidencial e tudo fará para evitar que uma crise política lhe rebente nas mãos.
Só mesmo a esquerda radical quer eleições antecipadas. Mas ao contrário dos gregos, os portugueses prezam a estabilidade e continuam a preferir os partidos moderados do centro. Apesar da contestação (e da coligação...) o Governo mantém plena legitimidade política. Terá de investir mais no diálogo social, mas é essencial manter o rumo reformista, que já permitiu alcançar uma balança comercial positiva. Só assim podemos vencer o monstro da despesa pública e retomar a nossa liberdade como cidadãos e como País.
[Diário Económico]