Não sei o que é mais deprimente na última telenovela de Miguel Relvas (enfim, telenovela é uma forma de dizer, há telenovelas que duram mais de um ano): se a parolice de querer exibir um canudo a todo o custo, ou sem nenhum custo, se a desfaçatez de quem sugere a compatriotas com mais qualificações mas menos contactos que emigrem, se a hipocrisia de invocar a "intensa participação cívica" de três décadas de politiquice para justificar a licenciatura virtual.
Ou talvez saiba.
O mais deprimente é que este novo caso (vou passar a numerá-los: Relvas 1, Relvas 2, Relvas 3...) mostra um certo padrão de comportamento da geração que hoje está no poder. As semelhanças com o percurso de Sócrates são óbvias, mas podíamos acrescentar-lhe outras figuras maiores ou menores como o próprio Passos Coelho, António José Seguro, Armando Vara, Rui Pedro Soares ou um longo cortejo de etcoeteras em todos os partidos. Iniciam a sua carreira política numa jota, trocam os corredores da universidade pelos corredores do aparelho, tornam-se fiéis de um qualquer cacique local que os recompensa com um lugar autárquico ou partidário, vão tecendo a sua rede de conhecimentos a uma escala cada vez mais ampla, por vezes filiam-se na maçonaria para alargar influências, trabalham em empresas ou universidades privadas invariavelmente dirigidas por gente próxima dos partidos e, um belo dia, chegam a a vereadores, deputados, secretários de Estado, gestores de empresas públicas ou mesmo ministros.
Entretanto, porque já são muito visíveis, terminam a licenciatura por artes não muito visíveis, que um canudo fica sempre bem. Aos trinta e tal anos, têm nas mãos o poder sonhado desde que, na Covilhã, em Vila Real ou na concelhia dos betos de Cascais, ouviram o tal cacique e decidiram, num arroubo adolescente, ser como ele. Com uma diferença: o cacique, mal ou bem, ainda tinha algumas ideias na cabeça, fruto de um tempo (Marcelismo, 25 de Abril, PREC) em que todos os portugueses viviam a política como uma escolha decisiva entre modelos de sociedade. O ex-jotinha já medrou nos anos 80, os anos da normalização democrática, do desenvolvimento e da Europa. Não teve que escolher muito, excepto os patronos certos, não teve que lutar muito, excepto uns tantos golpes baixos a adversários e inimigos (os primeiros fora do partido, os segundos dentro, como disse o Churchill e ele sabe porque ouviu esta no bar), não teve que pensar muito, excepto no soundbite seguinte. Nunca leu, nunca estudou, nunca trabalhou seriamente. A política é para ele, eterno jotinha, um jogo. Só que agora a parada é mais alta.
Resultado: ao chegar ao Governo ou à Assembleia, não sabe nada da vida nem do país. O seu currículo tem a insustentável leveza do não ser. Uma leveza que disfarça com retórica de pau, fatos escuros e gravatas lisas, atributos que julga próprios da gravitas dos verdadeiros homens de Estado. E, além disso, todos falam e vestem assim em São Bento. Trocam-se uns pelos outros e parecem todos iguais. Não surpreende que até os seus casos 1,2,3 sejam parecidos.
E nós?
Nós cá vamos, cantando e rindo, sobrevivendo aos aumentos, aos impostos e ao desemprego, aos Relvas, relvinhas e relvettes. Em democracia, dizem.