Desde a sua criação, os globos de ouro foram vistos como uma gala produzida por holandeses, para fazer brilhar vedetas e programas da SIC. Num país onde a televisão privada dava os primeiros passos, os globos mostravam para uma grande audiência os protagonistas da televisão, do espectáculo e das artes, nomeados por uma revista sobre famosos, preocupada em fazer brilhar a maquilhagem, os vestidos e as caras bonitas.
No início, muitos dos convidados do Teatro e do Cinema, renitentes, não iam às galas, numa total indiferença face ao evento que consideravam simplório e ignorante. Com o passar do tempo, os globos foram conquistando credibilidade, com uma orquestra ao serviço, a procura de grandeza na sequência de abertura, nos números musicais e de dança, na visibilidade que sempre procuraram dar aos criadores portugueses.
E de repente, não sei bem em que ano, “as gentes da cultura” começaram a aparecer. Encenadores, produtores, actores, do melhor Cinema e Teatro Português passaram a estar na plateia. Nomes grandes como João Lourenço, Vera San Payo de Lemos, Irene Cruz, José Miguel Cintra, Eunice Munõz, Miguel Guilherme, Manoel de Oliveira, Paulo Branco.
Ao receberem o globo, nas suas palavras, tantas vezes carregadas de emoção, percebemos que o palco dos globos passou a ser um espaço de desabafo, de agradecimento a um Portugal maior, uma maioria que não vai ao teatro nem compra bilhetes para ver um filme português, mas paga impostos e assim em parte permite que o Teatro e o Cinema existam. Um Portugal que se emociona com os seus actores e que os segue, nem que seja pelo único meio acessível a todos - a televisão.
Ontem foi o dia de os ouvirmos outra vez. Não para dizer obrigado Portugal, mas para se despedirem e mostrarem a sua profunda mágoa por estarem sem perspectivas de futuro, sem apoios para fazer a arte acontecer. Até Churchill foi citado. E foi triste ouvir um, outro e outro ainda, dizer as mesmas palavras de frustração e de vazio. Este foi o ano em que nos falaram em horário nobre das suas incertezas.
Esperemos que essa visibilidade empurre a máquina burocrática do Estado, a tomar decisões, a avançar com a nova lei do Cinema e do Audiovisual e a ser rápida na resposta aos casos dramáticos. E que todos os agentes de cultura continuem a passar a mensagem de urgência e não esperem dinheiro do Estado que está falido. Continuem a ir às empresas, aos fundos, a quem tem capital, lá fora, cá dentro onde for preciso, para conseguirem fazer aquilo que há de mais humano em nós, a capacidade de produzir cultura.
Foto: SAPO Fama